Um sobre Zero #10
Olá, eu sou o António Lopes e esta é a newsletter do Um sobre Zero, um podcast sobre o futuro da ciência e tecnologia.
Para entrar no fim de semana de bom humor
Mais uma para os programadores: quando se pensa que aquele bug ficou mesmo resolvido, eis senão quando ele decide atacar outra vez.
Anteriormente... no Um sobre Zero
Esta semana, falou-se muito de contact tracing e da aplicação STAYAWAY COVID. Portanto, penso que é adequado revisitar o episódio 33 do Um sobre Zero, em que falei com o Rui Oliveira, o coordenador do projeto da aplicação Portuguesa de contact tracing, juntamente com o Bernardo Mateiro Gomes e o Rui Carmo. O episódio serviu para esclarecer exatamente como funciona a aplicação móvel e para discutir algumas das preocupações que ainda existem acerca deste tipo de aplicações.
As notícias da semana
Sobre o "Right-to-Repair"
A FTC (Federal Trade Commission dos Estados Unidos da América) deu um passo importante na defesa do direito de cada pessoa poder reparar os seus aparelhos. No relatório que foi publicado, A FTC dá "uma tareia" nos fabricantes e nos argumentos que usam para instalar restrições que impedem a reparação de aparelhos por parte dos donos dos mesmos.
Toda a gente sabe que os fabricantes o fazem para garantir que conseguem tornar os aparelhos obsoletos mais cedo e assim garantir que os clientes tendem a comprar novos aparelhos em vez de reparar os novos quando estes dão problemas. Mas depois usam o argumento da segurança para o consumidor como bandeira para não permitir que os clientes possam autonomamente reparar os aparelhos.
No segundo episódio do Um sobre Zero (gravado há já mais de um ano), falamos sobre esta temática. Vale a pena revisitar.
Alemanha diz que não ao WhatsApp e Facebook
Lembram-se quando há uns tempos, o WhatsApp anunciou que ia avançar (com data de entrada em vigor a 15 de maio) com uma nova política de privacidade que, quem aceitar, fica sujeito a que a sua informação do WhatsApp (as mensagens trocadas com outras pessoas) passam a ser automaticamente acessíveis pelo Facebook (empresa que detém o WhatsApp) para os fins que já muito bem conhecemos (conhecer bem os utilizadores para poder dar anúncios mais personalizados - c.f. ep. 52 do 1/0)?
Acontece que a Alemanha não está muito interessada em deixar que essa parceria entre o Whatsapp e o Facebook aconteça. A agência governamental por estas questões na Alemanha esteve durante o último mês a estudar esta nova política de privacidade e decidiu impedir a parceria usando como justificação o RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados).
Agora pergunto eu: se a justificação usada foi o RGPD, isto não se aplica a todos os países da União Europeia? Penso que faria mais sentido ter uma aplicação generalizada do que ter apenas um país a avançar por este caminho.
Contact Tracing não funcionou em Portugal
Segundo declarações do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, a iniciativa de contact tracing em Portugal não resultou. Mas ao contrário do que foi anunciado e reportado por uma boa parte da imprensa Portuguesa, a culpa não foi da aplicação móvel criada para esse efeito, a STAYAWAY COVID.
O problema foi que o procedimento criado dependia da boa vontade de muitas pessoas para efetivamente funcionar. Quando discutimos sobre esta temática no episódio 33 do Um sobre Zero com o Rui Oliveira, coordenador do projeto STAYAWAY COVID, falámos exatamente sobre essa fragilidade no sistema em si.
A eficácia do sistema depende da emissão de um código que permite ao doente marcar-se como infetado e que é de utilização voluntária. Portanto, logo aqui, o processo só funciona se a pessoa infetada tiver a motivação para reportar o seu código na aplicação.
Mas vamos imaginar que todas as pessoas infetadas e que recebiam um código, o inseriam na aplicação. Mesmo assim, a aplicação não teria tido muito sucesso. Porquê? Por causa do outro elo de ligação neste processo: os médicos responsáveis por emitirem os respetivos códigos que permitiriam aos doentes infetados reportarem a sua situação na aplicação.
Infelizmente, em quatro meses de funcionamento, foram gerados apenas 12 mil códigos de casos positivos num universo de mais de meio milhão de infeções.
O ministro tentou ser diplomático e disse:
“No caso da StayAway Covid, a sua relação com o dia-a-dia dos médicos e a operacionalização pelo próprio Serviço Nacional de Saúde é uma relação complexa."
Pois, "complexa". Que é para não dizer que foi um "desastre".
Portanto, apesar da imprensa Portuguesa querer muito condenar a tecnologia, neste caso, a "culpa" é efetivamente do elo humano. O que seria de esperar face à implantação de um processo que assenta totalmente na participação voluntária de pessoas cujos interesses e motivações não se alinham. Portanto, o resultado só poderia ter sido este.
Perante isto, é normal que surja a pergunta: então porque é que se fez desta maneira?
Porque tendo em conta que um dos valores essenciais do projeto era o de garantir a segurança da aplicação e a privacidade de toda a população, então esta era provavelmente a única maneira de o fazer.
Twitter a estudar como entrar na economia de criação
O Twitter não gostou da ideia de plataformas como o OnlyFans lhes roubarem tanto mercado, pelo facto de permitir aos "artistas" que usam esta plataforma que sejam pagos pelos "conteúdos" que criam. E então decidiu "entrar neste mercado" ao criar o serviço Tip Jar, uma nova funcionalidade na aplicação do Twitter (iOS e Android) que permite a qualquer pessoa enviar pequenos pagamentos (gorjetas) para qualquer conta do Twitter.
Coloquei "entrar neste mercado" entre aspas porque na verdade, o Twitter não está realmente a entrar no mercado, porque não fica com uma parte destas transações. O que mostra o desespero do Twitter em lutar contra a fuga de muitos geradores de conteúdos da sua plataforma para outras e manter assim essa malta do seu lado.
Tal como falámos no episódio 52 do Um sobre Zero, acredito que esta é só mais uma evidência daquilo que será a verdadeira economia de criação na web do futuro, que irá depender fortemente de micro-pagamentos.
SpaceX conseguiu aterrar a Starship com sucesso
Mais um grande passo para a exploração espacial.
Recomendações de leituras para o fim de semana
João Alves - I Could Build This During The Weekend
As pessoas no geral, mas os programadores em particular, têm uma péssima capacidade de estimar o trabalho que dá executar uma determinada tarefa. Isso faz com que depois tenham aquela atitude desrespeitosa de olhar para um trabalho já feito e pensar: "Eu podia construir isso durante o fim de semana".
Neste texto, o João Alves descreve exatamente este tipo de comportamento com o exemplo de aplicações como a da Uber. A simplicidade da aplicação móvel leva-nos a questionar o porquê da Uber necessitar de uma equipa de mais de 100 engenheiros só para desenvolver a aplicação móvel. O que depois leva à tal arrogância do "eu conseguia fazer isto num fim de semana". Mas há muito por trás que não estamos a ver e que nos leva a esquecer que a simplicidade dá muito trabalho.
New York Times - Google’s Plan for the Future of Work: Privacy Robots and Balloon Walls
Este artigo não é necessariamente bom. Parece aliás uma daquelas peças encomendadas, neste caso pela Google. Mas vale a pena ler o artigo, nem que seja só para perceber o exemplo do que é ter uma equipa que só sabe resolver problemas com tecnologia, ao invés de perceber que os problemas normalmente são mais complexos do que se pensa e que o que interessa é perceber melhor o que move e motiva as pessoas no geral.
As soluções que a Google apresenta neste artigo para o futuro do trabalho, e principalmente na combinação entre o que são equipas que trabalham presencialmente e outras remotas, fazem-me lembrar os desfiles de moda. São bons para mostrar tendências e fomentar a discussão sobre aquilo que pode vir a ser o futuro, com exemplos chocantes e polémicos, mas não são produtos necessariamente adequados para uso no dia-a-dia.
Recomendações de podcasts para o fim de semana
Casa Trabalho Casa - Maker's Schedule vs. Manager's Schedule
Uma das coisas que realmente me incomoda na minha vida como programador, é as outras pessoas não perceberem o ambiente em que um programador necessita de operar para conseguir efetivamente desenhar e desenvolver sistemas complexos. Precisamos de longos períodos de concentração para garantir que quando estamos a idealizar um sistema, conseguimos pensar na forma como todas as peças se ligam, as consequências de o fazer de certa maneira, como garantir que a performance é adequada e quais os efeitos secundários de mexer numa parte do sistema afetam outra parte do mesmo.
E, portanto, o maior inimigo de um programador é um calendário fracionado com muitos períodos pequenos de disponibilidade. Se eu tenho 30 minutos disponíveis para trabalhar no desenho de um sistema porque depois vou ter uma reunião, já sei que não vale sequer a pena começar a trabalhar nisso porque depois vou ter de interromper por causa da reunião.
Neste episódio do podcast Casa Trabalho Casa, a Ana Relvas e a Rute Brito explicam exatamente este problema e como afeta tantas outras profissões que operam de forma semelhante a um programador.
Vale mesmo a pena ouvir, seja em que lado da discussão estejam.
Brevemente... no Um sobre Zero
Afinal tive de partir o episódio sobre o futuro das cidades em dois episódios. Na próxima segunda-feira sai o primeiro episódio.
Nota final
Olha que ideia engraçada: NightNight. Um site (e no fundo uma ferramenta para usar noutros sites) que se desliga durante a noite, como forma de promover atitudes saudáveis no que toca ao sono.
Bom fim de semana