Um sobre Zero #40
Olá, eu sou o António Lopes e esta é a newsletter do Um sobre Zero, um podcast sobre o futuro da ciência e tecnologia.
Para entrar no fim de semana de bom humor
Anteriormente... no Um sobre Zero
A propósito da notícia mais abaixo sobre o uso de hidrogénio nos transportes, já houve um episódio do podcast em que se discutiu esta temática. Foi o episódio 16 do Um sobre Zero.
PJ vangloria-se e os OCS “desinformam”
Vão-me desculpar o desabafo mas o que se passou a semana passada com a situação do suposto terrorista universitário foi simplesmente vergonhoso. Uma denúncia ao FBI de uma pessoa nos Estados Unidos que ficou alerta a propósito das afirmações de um jovem Português na internet, levou a que a Polícia Judiciária investigasse o caso e acabasse por deter o jovem por acreditar que este estava prestes a executar um atentado. Até aqui, tudo bem, faz parte do trabalho deles investigar este tipo de ameaças e atuar quando determinarem que assim deve ser.
O que me incomodou nesta história foi a leviandade com que a PJ optou por passar a informação “cá para fora”, através de um “press release” parco em factos e informação relevante, só para se vangloriar de que “tinha impedido um atentado” e para assumir a glória de terem salvo a pátria. Evidentemente, isto gerou a corrida ao ouro entre os vários órgãos de comunicação social, para tentarem ocupar o espaço do primeiro OCS a dar as “breaking news” à medida que estas iam aparecendo. Mas o enfoque aqui foi em ser o “primeiro”, não o que conta a verdade.
E o circo que isto gerou na “informação” foi das experiências mais deploráveis que já vi em termos de falta de rigor e ética. Basicamente, todos os OCS começaram a partir daí a tentar recolher mais detalhes sobre o evento com base no press release ridículo da PJ, cometendo erros vergonhosos de recolha de informação e tentar construir o puzzle até chegarem aquilo que achavam ser a história completa.
Desde confundirem a Faculdade de Ciências com o Instituto Superior Técnico (porque para os OCS, só o Técnico tem Engenharia Informática na Universidade de Lisboa) e confundirem o Discord com Dark Web, a criarem pânico desnecessário nos estudantes, docentes e restante comunidade das instituições envolvidas, a entrevistarem gente que saía da FCUL e que nem sabiam o que se tinha passado (para “recolher factos” que estas pessoas naturalmente não tinham), a terem especialistas a entrarem em direto a confirmarem diagnósticos de doença mental com base em poucas e más informações que iam conseguindo obter, e o mais triste, a entrevistarem o próprio avô do rapaz que mal se conseguia expressar perante o choque de não entender muito bem como é que o seu neto poderia estar envolvido numa história destas.
E quando depois a PJ poderia ter intervido para esclarecer e explicar porque agiu como agiu, decidiu simplesmente acrescentar algumas informações ao que já tinha divulgado anteriormente, mas sem nunca explicarem porque decidiram atuar da maneira que atuaram, criando pânico e desinformação desnecessários.
Este tipo de trabalho de investigação tem de ser secreto para ser eficiente. A PJ devia ter ficado calada, devia ter apurado os factos todos enquanto investigava efetivamente as intenções do jovem, se o perigo era real, e se sim, detê-lo como o fizeram para assegurar a segurança das potenciais vítimas do atentado planeado. E com esse processo todo de investigação, o objetivo deveria ser recolher dados com o que se aprendeu para que pudessem continuar eficaz e eficientemente a investigar outros potenciais casos semelhantes. E depois... mais nada. Não havia necessidade nem dever de passar a informação para fora. O suposto atentado foi evitado, e como tal, a missão terá sido bem sucedida. E os métodos de investigação permaneceriam intactos para serem aplicados no futuro. Mas não, perdeu-se essa oportunidade e não se sabe ainda as consequências desta irresponsável investigação e divulgação da PJ.
Hidrogénio não consegue ser alternativa para EVs
Um novo artigo publicado na Nature veio confirmar o que já se suspeitava há algum tempo: o hidrogénio, apesar de ser uma forma viável de energia renovável, não consegue competir em termos de eficiência/custo com o uso de energia elétrica direta em veículos elétricos.
A imagem abaixo esquematiza o porquê dessa conclusão:
No fundo, a desvantagem do hidrogénio é baseada nas perdas que se verificam ao longo do processo árduo de produzir e fazer chegar as células de hidrogénio aonde são precisas. O que significa que o hidrogénio pode chegar ao ponto em que é 3 vezes menos eficiente que o uso da energia elétrica diretamente!
Medidas distópicas anti-copiões
Com a pandemia, muitas avaliações no ensino superior passaram para um contexto remoto, o que significa que se tornou muito mais fácil aldrabar as respostas nos exames online. Contudo, há Universidades que, através de softwares específicos de controlo anti-fraude, levam isso demasiado a sério e chegam ao ponto de usar as táticas mais recambolescas para apanhar “copiões”.
Eu já tinha ouvido falar de mecanismos que controlam a face do estudante para perceber se está a desviar o olhar do monitor e até softwares que controlam totalmente o computador de forma a bloquear acesso a outros recursos que não os da avaliação.
Mas a plataforma Honorlock, que é usada por algumas universidades nos Estados Unidos, alegadamente usa um mecanismo muito particular para apanhar estudantes que cometem fraudes nos exames. A plataforma publica as perguntas de um exame naquilo que eles chamam de “seed sites”, que não aparentam ter relação com a plataforma, para atrair estudantes que estão à procura das respostas para as perguntas específicas do exame.
Mas o que os estudantes não sabem é que estes sites são na verdade “honeypots” da própria Honorlock e que, ao estarem a tentar aceder às respostas dessas perguntas, essa informação é passada para a plataforma que depois, coloca o estudante em maus lençóis.
É triste ver a aplicação de tanta energia a controlar estudantes para que não copiem, quando na verdade, deveriam antes criar mecanismos de avaliação que promovessem a busca e sistematização de informação da forma correta e necessária para resolver problemas complexos. Em vez disso, dá-se primazia à capacidade de decorar factos que, como bem sabemos, não ajuda a reter conhecimento no longo prazo.
Imprimir impressões digitais
Lembram-se quando a polícia dizia que as impressoras 3D deveriam ser proibidas porque podiam ser usadas para imprimir componentes para construir uma pistola? Parece que agora as forças policiais já perceberam que há muito potencial nas impressoras 3D.
No Michigan, nos Estados Unidos da América, a Polícia solicitou a colaboração de um Professor Universitário para desenvolver uma técnica de impressão 3D que permitisse imprimir impressões digitais de suspeitos para assim ultrapassar a autenticação com impressão digital dos smartphones.
Não se sabe ao certo se essa colaboração foi levada até ao fim e se se conseguiu produzir o efeito esperado, mas se sim, é uma forma de efetivamente ultrapassar esse tipo de autenticação, caso a Polícia já tenha acesso a uma impressão digital com o nível de detalhe necessário, claro.
Outras notícias soltas
A EU planeia lançar o Digital Services Act até ao Verão. Isto vai obrigar os gigantes tecnológicos a terem mais atenção a conteúdo ofensivo e violento (que terão naturalmente de remover)
Os funcionários da Meta agora chamam-se Metamates. Este tweet fez já o exercício para algumas outras empresas
A Apple quer meter-se pelo mundo da geração de música com Inteligência Artificial. Que raio andam a tramar?
Aparentemente, as pessoas confiam mais em caras artificiais do que caras reais.
Recomendações de leituras para o fim de semana
Wired: The Quest to Make a Digital Replica of Your Brain
É um futuro ainda distante (porque a capacidade de captar uma imagem fidedigna do cérebro ou de outra parte do corpo humano com o detalhe necessário, simplesmente, não é possível) mas as possibilidades introduzidas pelo conceito de Digital Twin são muito interessantes. Vale a pena ler o artigo para perceber o potencial deste tipo de tecnologia.
Recomendações de podcasts para o fim de semana
TED Talks Daily - You deserve the right to repair your stuff
Uma boa talk sobre a importância do movimento right-to-repair, sobre o que está a ser feito e sobre o que poderia ainda ser melhorado. Vale a pena ouvir se se interessam pela temática.
Brevemente... no Um sobre Zero
Já retomei as gravações, depois da voz afetada pelo COVID, e novos episódios começarão a aparecer em breve.
Nota final
Bom fim de semana